Quase que adormecia à porta do quarto dele, mas a D. Mariana levou-me para o sofá. Ela já tinha ligado à minha mãe a explicar o que aconteceu.
Nessa noite não dormi quase nada. Cada vez que fechava os olhos via a imagem do Dudu a assistir à cena em que o pai batia na mãe. Decidi tentar não pensar nisso, mas como é óbvio não consegui. Era de madrugada quando consegui adormecer.
No dia a seguir, de manhã, o Dudu saiu finalmente do quarto. Assim que a porta se abriu eu fui a correr ir ter com ele. Estava com má cara, tinha olheiras enormes. Percebi logo que não tinha dormido a noite inteira.
- Estás bem Duarte? – Perguntei eu preocupada.
- Sim Filipa, não te preocupes. – Mas isto não me convencia.
- Como te sentes filho? – Perguntava a mãe, muito preocupada e com cara de quem também não tinha dormido nada.
- Estou bem mãe, a sério.
- Tens a certeza? Não é melhor não ires à escola hoje?
- Não mãe é melhor eu ir, assim sempre me distraio.
- Mas podiam ficar cá em casa os dois, hoje não têm aulas muito importantes e de certeza que a Carla (a minha mãe) não se irá importar, não é Filipa? – E com isto, a Dona Mariana tivera a melhor ideia do mundo.
- Claro que não, basta ligar-lhe a avisar.
E assim foi. A minha mãe não se importou de me deixar ficar com o Duarte tendo em conta a situação. Fomos tomar o pequeno-almoço e logo a seguir a mãe do Dudu foi trabalhar. Tínhamos o almoço preparado, e a casa à nossa disposição.
Primeiro tratei de animar o Duarte. Falámos um bocado sobre o que tinha acontecido, pois sabia que ele precisava de desabafar. Apesar de não demonstrar, estava em baixo, eu sentia-o. Mas falar sobre o que aconteceu fez-lhe bem. Pouco depois, já tinha o meu melhor amigo de volta. Não tão alegre como de costume, mas com um sorriso naqueles olhinhos lindos, e isso bastava-me.
Decidimos ir ver um filme e deixei-o escolher. Obviamente que dali ia sair um filme de super-heróis, mas como sabia que aquilo ia animá-lo cedi. Por acaso até era um bom filme, do que vi dele, porque perdi-me várias vezes a olhar para o Dudu. Só agora reparava o quanto ele era lindo. Os olhos azuis como o céu, os caracóis loiros, os lábios grossos. Os mesmos lábios que me tinham beijado. Estava perdida a olhar para ele, quando se apercebeu.
- Para onde estás a olhar Filipa? – Perguntou ele distraído com o filme.
- Para lado nenhum. Estava a pensar… - Respondi eu, meio embaraçada.
- Hum, a pensar no quê?
- No nosso beijo… - Não sei porque fui tão sincera, mas senti necessidade de lhe dizer aquilo.
- A sério? – Pela primeira vez parara de ver o filme e concentrou-se “em mim”.
- Sim… Estava a olhar para ti e lembrei-me! - Cada vez que dizia alguma coisa, arrependia-me.
- Eu gostei. Talvez tenha sido só um beijo, mas foi nosso primeiro beijo! É sempre importante…
- Também acho! - Sentia-me a corar.
- Eu senti qualquer coisa… Não sei bem o que foi, mas senti. Quando os meus lábios tocaram nos teus… Não sei explicar. Gostei daquela sensação.
- Pois, eu senti o mesmo! – Não sabia o que dizer.
Um silêncio constrangedor abateu-se sobre nós. Nenhum de nós se atrevia a falar, até que o Duarte pergunta:
- Queres…
- O quê? – Não sabia o que ele iria propor, mas estava a gostar.
- Queres voltar a sentir aquilo?
Olhei para ele. Não sabia o que dizer, apenas sabia que queria voltar a sentir aquela sensação. Os lábios dele em contacto com os meus, o meu coração a bater depressa. Sem saber o que fazer, disse que sim com a cabeça.